Corning, 19 de abril de 1952
Minha querida Ilza:
Cheguei ontem à noite do Canadá, tendo encontrado em casa as suas cartas de 9 e 14, esta última possivelmente tendo chegado ontem mesmo, relativamente rápida. Surpreendeu-me saber que em 9, você estivesse há 13 dias sem notícias minhas, quando eu habitualmente escrevo de 2 em 2 dias.
Estou imaginando que minhas cartas estejam sendo estraviadas. Esta semana escrevi de Toronto uma vez, no dia 15, juntando vistas de Niagara Falls e dando minhas impressões da cidade. O pessoal da fábrica, como sempre, muito amável e camarada.
Um engenheiro, que estava morando no hotel, levava-me diariamente, em seu carro, para a fábrica, que fica fora da cidade uns 5 kilometros. Esse engenheiro mostrou-me pontos interessantes da cidade.
Duas coisas devem ser aqui registradas:
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Cemitério da Consolação em São Paulo, para comparar |
Os cemitérios, verdadeiros parques ou jardins, extremamente simples, praticamente abertos, sem muros ou cercas. Crianças das casas próximas correm por entre as lápides, geralmente um simples pedra com o nome do morto.
Nada de monumentos dispendiosos e inscrições pomposas, algumas vezes insinceras, como fazemos aí.
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Mount Pleasent Cemetery em Toronto |
Um dos cemitérios a frente do qual passava sempre era o do Mount Pleasent, que quer dizer Monte Agradável ou Prazeiroso, lugar que dá prazer...
Toda a idéia de morte, de medo, de fantasmas, é completamente dissociada e as crianças parecem não temer os mortos ou a morte. O nome do cemitério também é evitado na frente do portão.
Outra coisa interessante: um colégio de meninas, penso que correspondente ao nosso ginásio, pois, deviam ter 14 anos em média, usam, agora na primavera e verão, um uniforme escossez, isto é, a saia pela metade da coxa e meias 3/4 .
O que acontece é que se vê verdadeiras moças andando na rua com as pernas à mostra. Não há, entretanto, maldade por parte dos rapazes e tudo é aceito com naturalidade, sem espírito preconcebido ou malicioso.
Não notei, tanto nos EE.UU como no Canadá, esse geito dos rapazes daí e dos homens em geral em bolirem com as moças. Não. Há o máximo respeito. Entretanto, os chefes de trens, condutores de bondes (em Canadá) e de ônibus trocam cumprimentos com as moças e senhoras:
“Como passou o dia? – Como se sente hoje? – Lindo dia, não?” e elas respondem sempre amáveis, sorridentes, como se fossem velhos conhecidos...
Os empregados aqui do escritório da Corning, por ex., as moças do escritório, secretárias etc., surpreendem pela extrema amabilidade e atenção. Nada forçado ou fingido, parecendo natural nos tratarem, desde o primeiro dia, por “Homero”, oferecendo-se para fazer serviços na máquina, lamentando que não tenha recebido cartas, vindo entregar as cartas prontamente e alegremente. A mesma atenção se nota das lojas ou nos restaurantes.
Os clientes (seja quem for, operário ou grão fino) conversam com as moças e estas respondem sem acanhamento, usando o mesmo sorriso para todo mundo. A amabilidade, a cortezia, é uma das coisas mais surpreendentes neste povo, que eu pensava frio, empolgado por negócios. Será que as moças brasileiras dessa época eram casca-grossa?? Rsrsrsrs
Ainda ontem no trem que vinha do Canadá, uma senhora (disse-me que tinha uns 40 anos) com uma filhinha de uns 8, dirigiu-se a mim, pedindo para ajudá-la a levar a mala, do ônibus para o trem*. (* Não há carregadores. Todo o mundo leva a própria mala.) “Garrou a conversar” e a fazer perguntas de todo o gênero, quando soube que era estrangeiro e da “South America” (o povo em geral prefere dizer “South America” para todos os países de fora ou abaixo do México).
Enquanto esperávamos a hora de entrar na plataforma, ela “convidou-me” para irmos tomar café ou lanche no bar da estação. Eu então amavelmente recusei; e ela, insistindo, disse-me com toda a naturalidade própria dessa gente daqui: “Eu pago, vamos;” Não houve outra alternativa e, pela primeira vez na minha vida, uma mulher pagou-me o café com panquecas...
Parêntesis: não fiquei impressionada porque a tal mulher, ao entrarmos no trem, tomou um banco com a filha e logo “garrou a conversar” com outro visinho enquanto eu me dava por contente por ver-me livre da “máquina de falar”.
Ao Flávio (Irmão) eu escrevi um cartão de New York, bem como a mamãe, dando notícias rápidas a meu respeito. Não há muito tempo para escrever.
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Será que era um negócio assim? |
Ao Luiz Guilherme, quando estive em N.Y., eu comprei uma espécie de saco para ser levado em passeio, com uma espécie de touca também, do mesmo tecido azul, parecendo flanela. Eles poem a criança dentro daquilo, puxam o zipe, e fica tudo pronto para o baby passear. Mas próprio para o inverno, penso que ela, a Luth, gostará.
A questão do rádio do visinho é complicada, porque ainda não tenho confirmação de como irei viajar e só na 2ª. feira, quando estiver no escritório com o dr. Hicks, é que saberei algo a respeito definitivamente. Além disso, faltam-me dólares, tenho receio de complicações alfandegárias e há o problema do espaço na bagagem.
O Athos teve que comprar um baú novo, na falta de usado, que lhe custou $26.00. Ele lhe dirá (já lhe contou a esta hora) as dificuldades para a embalagem das coisas. Diga ao visinho que eu não garanto nada, pois já estou levando um rádio para Marília e a alfândega é capaz de encrencar e impugnar toda a bagagem.
Parabéns pelos novos alunos que você arranjou. O Doter Karamm foi também um dos meus melhores soldados; lembro-me ele e terei prazer em revê-lo em casa.
(Continua...)